31 julho, 2013

AZUIS


Todo mundo que o conhece repara antes nos olhos azuis. Todo mundo fala: “os olhos azuis  dele são lindos.”

Os olhos azuis não foram a primeira coisa que eu reparei. Nem a segunda.

Reparei primeiro no rosto comprido, equino.
Depois no cabelo sem corte. Desregrado.
Em terceiro, reparei como tocava violão e cantava bem. Reparei, principalmente, na voz grave.

Minha voz sempre foi irritantemente aguda. A voz dele é grave quando canta.

Depois que fomos morar juntos passei a reparar muito nas mãos e nos pés. Nos dedos. Nas unhas. Nos pelinhos que ficam nas falanges. Sabe, os pelinhos?
Reparo como os pés se esticam. Como as mãos se movem. Dedos compridos, magros. Como os meus.

Não sei se antes reparei que estava apaixonada. Ou se reparei primeiro que já o amava. Lembro sim que, no começo, tive medo que ele me deixasse.
Depois, tive medo de querer deixa-lo.

Agora não reparo mais nisso. Mas reparo no modo como ele fala devagar. Devagar demais. E isso me irrita. E eu brigava, gritava, desesperava com minha voz aguda.
A voz grave e lenta dele não se alterava. Aprendi a conviver. Aprendi a admirar. E tenho aprendido a amar a fala lenta.

Depois reparei que ele deixava os papeizinhos prateados do maço de Marlboro espalhados pela casa. E que não levava o prato pra pia. E que não limpava o cinzeiro.
E reparei também que ele prepara um café da manha delicioso. E faz café. E pão na chapa. E também me carrega pra cama, quando adormeço na TV.

Ando reparando que estou mudada. Ando pesquisando preços de apartamento.  Brincando com crianças dos outros. E criticando menos vestidos e véus brancos.

Ando reparando também, com misto de pânico e prazer, que os fins de semana são menos sobre mim. E mais sobre nós.

Mas sabe que eu não gostei muito no que reparei esses dias? Que ele foi no cabeleireiro.  E que o corte de cabelo está mais regrado.