14 outubro, 2014

POR QUE EU NÃO QUERO A VIDA DO COMERCIAL DE MARGARINA



Se você é deste planeta e já assistiu à televisão deve saber do que estou falando.
Os comerciais de margarina se imortalizaram ao retratar as famílias perfeitas, lindas, brancas, que acordam com muito bom humor, e chegam para tomar o café da manhã perfeito, com uma mesa incrivelmente bem posta que a mamãe (claro) preparou.
Papai, mamãe, filhinho, filhinha e cachorro se abraçam e sorriem numa segunda feira matinal.

Não preciso nem dizer que essa cena é irreal, né? Prin-ci-pal-men-te, numa segunda-feira DE MANHA.

Mas sabe o que? Eu não quero isso. Não quero mesmo. Meus sonhos passam muito distante desse higiênico pseudo retrato da família brasileira (?) feliz.

Essa instituição familiar, dessa forma, já mudou muito, e mesmo assim continuamos tendo de engoli-la através de comerciais desse naipe.

Entre meus amigos (a família que escolhemos, por sinal) os cafés da manha familiares são beeem mais diversos que isso. Duas meninas. Dois caras. Uma galera que divide um ap. Casais sem filhos mas com gatos...Tem quem more sozinho, tem quem more com os pais, tem quem more numa eco comunidade coletivista...

Toda vez que eu assisto um desses comerciais, eu tenho piripaques só de pensar nessa vida. Sério. O comercial de margarina prega uma vida sem nenhum defeito, isso significa que ela deve ser insuportavelmente repetitiva toda manhã.

Será que a família do comercial de margarina acamparia numa praia deserta, sem saco de dormir?

Será que a família do comercial de margarina dormiria às sete e meia da manhã, depois de uma noite de bebedeira?

Será que a família do comercial de margarina desencanaria de lavar a louça por três dias, porque não deu tempo?

Será que a família do comercial de margarina passa a madrugada enfiada em um projeto que tem que ser entregue  no dia seguinte?

Será que a família do comercial de margarina chora? Briga? Se descabela de desespero frente à injustiças?

Eu imagino a família do comercial de margarina numa redoma,  aquela mesma redoma que protege a casa das famílias perfeitas dos comerciais de inseticida.

Você já prestou atenção nos comerciais de OFF ou de RAID PROTECTOR?
A família protegida de tudo, qualquer mosquinha pode lhe fazer mal. E nós não queremos isso, não é?
Nós queremos a família de comercial de margarina morando dentro de uma casa envolta em uma redoma de proteção, onde nem baratas (nem a vida real) consiga entrar e nos ameaçar. E para dar tudo certo, a gente perfuma com Glade Plug.

Nem em um milhão de anos eu queria uma vida assim. Uma vida sem sair por aí pra saber onde vai dar. Uma vida sem correr riscos. Desejo do fundo do meu coração que meus filhos (se eu decidir tê-los), sejam picados por abelhas, cortem o joelho, persigam lagartixas dentro de casa.  

Os comerciais de margarina, de Raid e de Glade Plug te levam a desejar uma vida falsa. Uma vida que nega a natureza. Uma vida que te faz trocar o cheiro de flores pelo perfume de um líquido sintético (sério, alguém sabe do que é feito o Glade Plug?). Uma vida cega, que não enxerga o que tá acontecendo lá fora, e nem deseja fazer parte. Uma vida sem gosto, como a margarina (vai dizer que a manteiga não é muito mais saborosa?)

Nenhuma vida é perfeita. Nós temos altos e baixos. E eu, como todo mundo, também vira e mexe vou pro fundo do poço, e me desespero achando que não vou sair de lá tão cedo. Eu também, às vezes tenho medo do futuro. Outras vezes saudades do passado. Outras ainda desejo coisas que me parecem inalcançáveis.

Mas garanto, que essa vida meio torta, e mil vezes menos fotogênica, se parece muito mais com uma vida de verdade. E só quando a gente entender que os publicitários que construíram a família margarina, também estão muito longe de ter uma vida assim, é que a gente vai ter certeza que, sim, nós queremos muitas coisas... mas não queremos a vida do comercial de margarina.